sábado, 25 de abril de 2009

Noções Básicas de Literatura: Texto Literário e Texto não-Literário

1. Fundamentos da Literatura

A Literatura é uma manifestação artística. Trata-se, portanto, de uma representação da realidade, inventada por seu autor. Essa invenção, por sua vez, acaba se constituindo como um novo universo, do qual tomam parte os leitores.


Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.


(Fernando Pessoa)

Se fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que um indivíduo, o desejo da arte (ler livros, ir ao teatro ou ao cinema, etc.) seria absurdo e incompreensível. Esse desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais que um indivíduo. Sente que só pode atingir a plenitude se apoderar-se das experiências alheias que potencialmente poderiam ser dele. E o que todo homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo de que a humanidade, como um todo, é capaz. (Ernst Fischer)

A essência da arte literária está na palavra. Observe:

1- Os homens normalmente sentem saudades de sua infância

2- Eu tenho saudades da minha infância.

3-
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Os três textos abordam o mesmo tema, mas o fazem de formas diferentes. O primeiro texto, ao contrário dos demais, generaliza um sentimento comum. O segundo, ainda que confira um caráter pessoal a esse sentimento, apenas se limita a fazer uma constatação. Já o autor do terceiro texto (Casimiro de Abreu) utiliza todas as possibilidades expressivas da linguagem (ênfase, metáfora, repetições, ritmo) para provocar o mesmo sentimento no leitor. Percebemos então o seguinte: nos textos literários há uma conexão interdependente entre "o que se diz" (o assunto/tema do texto) e o "como se diz" (a forma como o texto é dito).

* TEXTO LITERÁRIO – Texto com função estética, que explora diferentes recursos lingüísticos e estilísticos para produzir um efeito artístico. Predomina, portanto, o sentido conotativo (figurado), aquele que permite interpretações diferentes do sentido literal da palavra. Exemplos: a letra de uma canção, um poema, uma narrativa ficcional, entre outros.
* TEXTO NÃO-LITERÁRIO – texto com mera função utilitária (informativa, argumentativa, científica, entre outras). Aqui temos o predomínio do sentido denotativo (literal), em que a palavra é tomada em seu significado básico. Exemplos: O manual de instruções de um eletrodoméstico, uma notícia de jornal, entre outros.

A partir da riqueza de significados do texto literário, podemos constatar o fenômeno da POLISSEMIA (multiplicidade de significados). Observe a última estrofe do poema Profundamente, de Manuel Bandeira.

[...]
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


A expressão 'dormindo profundamente' adquire um significado diferente do convencional (referente ao sono), aludindo, de maneira sutil, à morte (eis o uso conotativo da palavra). Temos aqui uma figura de linguagem chamada "Eufemismo", que estudaremos mais adiante.

Quanto à forma, o texto literário pode se apresentar em prosa ou verso. O texto em prosa se organiza de forma linear, em parágrafos, compostos de orações e períodos, como o parágrafo que você está lendo agora. Os poemas, por sua vez, se estruturam em versos (cada uma das linhas do poema) e estrofes (conjunto de versos), como vimos em "Profundamente", de Bandeira.

TESTES

*Selecionamos duas questões do ENEM para você, com gabarito no final do post.

1. Questão (ENEM): Érico Veríssimo relata, em suas memórias, um episódio da adolescência que teve influência significativa em sua carreira de escritor.

Lembro-me de que certa noite . eu teria uns quatorze anos, quando muito . encarregaram-me de segurar uma lâmpada elétrica à cabeceira da mesa de operações, enquanto um médico fazia os primeiros curativos num pobre-diabo que soldados da Polícia Municipal haviam carneado.. (...) Apesar do horror e da náusea, continuei firme onde estava, talvez pensando assim: se esse caboclo pode agüentar tudo isso sem gemer, por que não hei de poder ficar segurando esta lâmpada para ajudar o doutor a costurar esses talhos e salvar essa vida? (...)
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado até hoje a idéia de que o menos que o escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto..
VERÍSSIMO, Érico. Solo de Clarineta. Tomo I.
Porto Alegre: Editora Globo, 1978.

Neste texto, por meio da metáfora da lâmpada que ilumina a escuridão, Érico Veríssimo define como uma das funções do escritor e, por extensão, da literatura,
a) criar a fantasia.
b) permitir o sonho.
c) denunciar o real.
d) criar o belo.
e) fugir da náusea.


2. Questão (ENEM)

Texto I
O tempo passa, e com ele os fatos que constituem as experiências humanas. Isto não significa que sejam esquecidas: tudo pode se conservar enquanto memória afetiva ou aprendizado.

Texto II
O vento varria os meses
E varria os teus sorrisos...
O vento varria tudo!
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

(Manuel Bandeira)


É correto afirmar que
a) o texto I é mais objetivo que o II, além de ter um ritmo mais marcado.
b) esses textos consideram a passagem do tempo de perspectivas opostas.
c) o texto II vale-se de sonoridades que dotam sua linguagem de intenção expressiva.
d) o texto II perde, por sua subjetividade, o poder de expressar uma convicção sobre o tempo que passou.
e) esses textos adotam formas diferentes de linguagem com o mesmo objetivo de informação.

Respostas: 1-C 2-C

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